«Agora temos de aprender a ser hóspedes uns dos outros naquilo que resta desta terra sobrepovoada e degradada. As nossas guerras, as nossas limpezas étnicas, os arsenais, de massacre que prosperam mesmo nos estados mais pobres, são territoriais. As ideologias e os ódios mútuos a que dão origem são territórios da mente. Desde sempre os homens têm-se atacado uns aos outros por causa de um pedaço de terra, sob diferentes trapos coloridos empunhados como bandeiras, a propósito de ténues diferenças na língua e no dialecto.A História tem assistido a um investimento interminável de ódios recíprocos por motivos bastante mesquinhos e irracionais. Por uma qualquer inspiração lunática, certas comunidades, por exemplo nos Balcãs ou em África, são capazes de explodir em apartheid e genocídio depois de terem vivido juntas durante séculos ou décadas. As árvores têm raízes, os seres humanos têm pernas. Com as quais podem atravessar o arame farpado de fronteiras idiotas, com as quais podem visitar e viver como hóspedes entre o resto da humanidade. Existe uma simbologia fundamental nas lendas que abundam na Bíblia, mas também nas mitologias gregas ou outras, do estranho que ao sol-posto bate ao portão após a sua viagem. Trata-se frequentemente do toque de um deus ou de um emissário divino que põe à prova a nossa capacidade de acolhimento. Quero acreditar que esses visitantes são os verdadeiros seres humanos em que devemos tentar tornar-nos se queremos sobreviver».
George Steiner, Errata: revisões de uma vida, tradução de Margarida Vale de Gato, Lisboa, Relógio d'Água, 2001, pp. 71-72
Citado por Miguel Serras Pereira
George Steiner, Errata: revisões de uma vida, tradução de Margarida Vale de Gato, Lisboa, Relógio d'Água, 2001, pp. 71-72
Sem comentários:
Enviar um comentário