domingo, 31 de outubro de 2010

Do que a lei a cada momento definir...

Se é funcionário público, deve ler o que vem no ponto III.2.1.2.(Despesas com Pessoal) do Relatório do Orçamento de Estado para 2011:

"Relativamente ao universo de pessoas abrangido pelas medidas de austeridade que integram a função pública, considera-se que nesta esfera, apesar de vigorar o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de Direito Democrático, a característica mais importante do seu regime jurídico estatutário é o facto dos seus direitos e deveres decorrerem do que a lei a cada momento definir com vista à prossecução do interesse público, princípio a que qualquer trabalhador em funções públicas está afecto. Independentemente do vínculo, e mesmo no actual enquadramento legal que consagra a modalidade de contrato à maioria dos trabalhadores em funções públicas, o regime remuneratório destes trabalhadores assume sempre natureza estatutária na medida em que depende da aferição, em cada momento, do que é considerado interesse público. A confirmar esta posição está o facto da garantia da irredutibilidade das remunerações da função pública não ter directa protecção constitucional, nem estar estruturada com a dimensão de princípio constitucional".
Prepare-se para o que aí vem... no futuro!

TEMPO PARA O ESSENCIAL

Passamos a vida à espera de ter tempo...
E o pior é que o tempo que esperamos, é tempo para o essencial...
Sim,
tempo para repensar a vida ou para rezar;
tempo para responder às cartas ou para visitar um doente;
tempo para dialogar problemas ou para ouvir os outros;
tempo para descansar ou para programar calmamente o futuro...
Passamos a vida à espera de ter tempo, ou então, a trabalhar afadigadamente para depois ter tempo.
Mas, tanto nos viciamos nesta lufa-lufa que das duas uma:
ou caímos de cansados,
ou quando esse tempo vem,
já não sabemos senão esgotá-lo na rotina que criámos.
O tempo não é inesgotável
e foi-nos dado para o essencial;
importa começar por abrir nele,
no tempo que hoje nos é dado,
clareiras destinadas ao essencial,
porque o resto pode esperar.
Se colocamos esse essencial
no horizonte longínquo dos nossos ideais,
corremos o risco dramático de não chegar a viver
e a nossa existência seria uma oportunidade perdida.
Carlos Paes
(citado por Ilda Pires)

domingo, 24 de outubro de 2010

Para reflectir...

"Nenhuma organização humana pode viver fora do princípio da realidade. Perder de vista este princípio, é perder também o sentido e, a prazo, ficar louco. É o que se reprova, a justo título, à burocracia e à hipertrofia administrativa".

Michel Crozier
(citado por José Matias Alves)

Site: "Desmitos"

Há um site que, nestes tempos conturbados, vale a pena ler. É de Álvaro Santos Pereira, viseense doutorado em Economia pela Universidade de Vancouver; docente no departamento de Economia da Universidade de York; articulista em vários jornais portugueses e autor de um livro muito equilibrado , intitulado "Os mitos da economia portuguesa":

http://desmitos.blogspot.com/

sábado, 23 de outubro de 2010

XXX Domingo do Tempo Comum

☞ Lucas é o evangelista que mais se interessa pelo tema da oração e que faz do seu Evangelho um manual de catequeses sobre a oração. Vamos fixar-nos numa dessas catequeses, que assume a forma de parábola (Lc 18, 9-14).

☞ Dois homens subiram ao templo para orar. O fariseu orava na 1ª fila, vangloriando-se diante de Deus de todas as suas boas obras e sentindo-se mais digno do que o publicano que ficara junto à porta (VV. 11-12). O publicano, pelo contrário, não se atrevia a erguer os olhos, mas batia no peito, repetindo “Tem piedade de mim que sou pecador” (V. 13).

☞ Na realidade, o fariseu não reza diante de Deus, mas diante do seu próprio eu. Ora diante de um espelho no qual projecta a sua própria imagem maquilhada. Não há diálogo na sua oração, mas um longo monólogo… Que espaço reservaria para Deus nessa oração? Só o de espectador a quem cabe aplaudir no fim. Mas Jesus quer dizer-nos que não aplaude esse tipo de orações.

☞ O Evangelho fala de dois homens, um fariseu e outro publicano, mas na realidade, não é tanto a duas pessoas distintas que se quer referir, mas a duas atitudes que travam combate dentro de nós. Tenho que descobrir que há em mim um pouco de um e um pouco de outro. Se não o reconhecer, será fácil inverter a parábola. Há também quem dê graças a Deus por ser pecador, por não ser como os desprezíveis fariseus virtuosos. Quantas vezes encontramos na vida publicanos que invertem a parábola! As palavras mudam, mas a música continua a ser a mesma.

☞ É muito difícil apresentar-nos diante de Deus como pecadores! Todas as vezes que nos surpreendemos a nós mesmos como culpados de algum flagrante delito, a primeira coisa que fazemos é fugir do rosto de Deus como Adão (“cheio de medo, escondi-me”). Como hei-de apresentar-me assim diante de Deus? Não aguento tal vergonha…

☞ …Aquilo que costumamos fazer nestes casos é tratar de restaurar, por nossa conta, a auto-estima ferida, praticando alguma boa obra. E depois de compormos sozinhos a nossa imagem, então recorremos a Deus na oração e apresentamo-nos “dignos”.

☞ Imaginemos uma mulher que precisa de ir à cabeleireira, mas que diz para consigo: “Como vou apresentar-me diante da cabeleireira com este cabelo?” Decide arranjá-lo primeiro e, depois de estar apresentável, é que vai à cabeleireira.
Se acharmos ridícula esta história daremos conta de como é ridícula a nossa atitude para com Deus.
Vou à oração precisamente para que Deus me devolva a minha auto-estima perdida; e não tenho necessidade de a recuperar pelos meus próprios méritos. Posso apresentar-me diante de Deus com plena consciência do meu pecado.

☞ Mais grave seria que, se me recusasse a apresentar-me diante de Deus como pecador, me privaria da maravilhosa experiência de descobrir que Deus me ama e me acolhe. É Ele que me devolve a “graça”, que me põe o anel no dedo, as sandálias e a túnica branca (Lc 15,22).

☞ Só se percebe a ternura de Deus a partir da realidade do pecado. Se não quiser apresentar-me diante de Deus com o meu pecado, privo-me de descobrir a sua ternura, ou seja, o seu amor por quem é imperfeito. “Diante de Deus podes ser o pecador que és, não precisas de te maquilhar” (D.Bonhoeffer).

☞ Se fizermos a experiência da ternura de Deus como fez o publicano, como será fácil sentir ternura pelos outros apesar da sua condição de pecadores! O que o fariseu tinha de pior, não era a sua auto-complacência, mas o desprezo que sentia pelo publicano. Se nos sentirmos perdoados gratuitamente, sem mérito algum da nossa parte, não cederemos à tendência de passar a vida a julgar os outros.
Baseado no livro de Martín-Moreno, A Bíblia escola de oração, Editorial A.O., Braga.

domingo, 17 de outubro de 2010

A todas as horas

(foto do site: Professorado de religión)

Rezemos a todas as horas...
E porque não, também por este país tão necessitado de uma ajuda divina!

sábado, 16 de outubro de 2010

Parábola


"Proponho à tua consideração a seguinte parábola de vida: um autocarro carregado de turistas atravessa uma belíssima região cheia de lagos, montanhas, rios e pradarias. Porém, as cortinas estão fechadas e os turistas, que não têm a mínima ideia do que há do outro lado das janelas, passam a viagem a discutir quem deve ocupar o melhor assento do autocarro, quem deve ser aplaudido, quem é mais digno de consideração... E assim prosseguem até ao final da viagem."

Anthony de Mello, Una llamada al amor.(imagem do Google)

sábado, 9 de outubro de 2010

Fragilidade da evidência (2)


«Mas o que verdadeiramente me inquieta é outro fenómeno, aparentado com o que acabo de mencionar, e que afecta particularmente a exposição ou comunicação das ideias. Quando se afirma, oralmente ou por escrito, algo que é evidente, aquele que o ouve ou lê “vê” por sua conta, por si mesmo, que aquilo é “assim”. A evidência se impõe com força incontrolável, obriga à sua participação, é uma iluminação que desvela a realidade, torna inteligível, permite possuí-la e fazê-la “própria”.
Não obstante, é provável que, salvo excepções pessoais que podem ser contadas, essa situação dure pouco. Aquele que viu com evidência algo e compartilhou essa iluminação sente depois que isso se enfraquece como o fazia antes dessa descoberta, “recai” no estado anterior, perde a evidência que parecia conquistada.
Essas “recaídas” são decisivas. (…) Tão logo cessa o esforço intelectual, cede a tensão que conduziu à evidência, voltam as vigências em que se estava, sobrepõem-se ao que em certo momento se viu com clareza, fazem que seja esquecido e se desvaneça.
Isso ocorre sobretudo quando se muda de perspectiva. Isto é, num contexto determinado, quando se percebeu essa verdade evidente, foi ela compreendida e compartilhada; mas se se volta o olhar noutra direcção, se se pensa – e sobretudo se se “vive” – em dimensões diferentes, produz-se uma estranha evaporação da evidência mal possuída e, por isso, falo da sua fragilidade.
Isso me parece extraordinariamente grave. É o maior obstáculo à difusão do verdadeiro, justificável, responsável. Ganha-se e perde-se, de acordo com os momentos, as épocas, as situações sociais. Nalgumas, perde-se mais do que se ganha. É a explicação dos grandes desastres que sobrevêm a parcelas da humanidade e que se mostram inexplicáveis, se não se leva em conta esse risco permanente.

O pensamento – falemos agora só do ocidental – foi descobrindo durante séculos verdades resplandecentes, que levaram a entender a realidade de modo que possa resistir às deformações e erros, a todas as usurpações. E, no entanto, esses mesmos países sucumbiram a verdadeiras inundações de erros crassos, que submergiram as evidências adquiridas por meio de geniais e contínuos esforços criadores. Uma espécie de maré alta de falsidades estabelecidas passa por cima das realidades descobertas por séculos de tensão criadora e veracidade, de amor à verdade».

Julián Marias, Tratado sobre a convivência, Martins Fontes Ed., São Paulo 2003, pp. 100-104

Fragilidade da evidência (1)

«Aquele que tem vocação de buscar a verdade, se não se contenta com aproximações ou meros vislumbres, se põe à prova o que pensou, pode chegar a uma experiência deslumbrante, fascinante, o maior prémio do esforço intelectual: a evidência.
Ele chega a ver algo que é “assim”. Compreende-o e, ao mesmo tempo, descobre sua justificação: vê porque é tal com o que está vendo; em alguns casos, essa visão é acompanhada pela de sua necessidade: “tem de ser assim”. Esse é o ápice de um processo intelectual digno desse nome.
Não é frequente, mas algo especialmente difícil; requer um grande esforço do que mais se regula: pensar. Não ler, observar, fazer experimentos ou estatísticas, mas olhar, ensaiar diversas perspectivas, examinar a questão de diversos pontos de vista, estabelecer conexões – nisso consiste a razão, distinta da mera inteligência -, tentar invalidar o que se entreviu, até assegurar-se de que o esforço é vão, de que isso que se viu é “assim”. O extraordinário filósofo Gratry, tão esquecido, dizia: “Tout ce qu’un homme a vu est vrai” (tudo o que um homem viu é verdade). A palavra decisiva é “viu”; se se omite parte do que se viu, se se acrescenta algo que não se vê, o resultado pode não ser verdade.
O que costuma acontecer é que não se parta da evidência para apoiar-se nela; prefere-se tomar como realidade o que “se diz” – no uso comum ou no que tem pretensões científicas, desprezando o que se impõe à visão. Se se analisa a maior parte do que se diz e se escreve, pode comprovar-se isso que parece uma inversão da hierarquia justa, do que pode ajudar a possuir a verdade e possuí-la. Daí a insatisfação que procede de grande parte da produção intelectual do nosso tempo – e de outros que não são os nossos, mas que foram afectados por situações parecidas.
Sente-se, às vezes, a necessidade de ler ou reler algumas páginas em que a evidência era buscada e, se encontrada, era reconhecida e respeitada. Seus autores são os que merecem ser designados de “clássicos” do pensamento e que nem sempre são os mais famosos». (continua)
Julián Marías

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A LOJA DA VERDADE

«Mal pude crer nos olhos quando vi o nome do lugar: a Loja da Verdade. Ali eles vendiam a verdade!
A moça do balcão foi delicada: que tipo de verdade eu procurava… só parte dela ou a Verdade total?
A Verdade total, naturalmente. Nada de decepções para meu lado, nem gosto de racionalizações.
Eu disse que gostava da Verdade muito clara, bem simples, bem inteira.
Ouvindo isto, ela, então, conduziu-me para o outro lado do balcão onde vendiam, somente aí, a tal Verdade inteira. O comerciante olhou-me compassivo e mostrou-me a etiqueta com o preço: “Como assim?”, perguntei determinado a conseguir, custasse o que custasse a Verdade total.
“É que… se o senhor levar esta Verdade, o preço que por ela pagará será não ter mais descanso na vida.”
Foi o que disse o homem do balcão e eu, triste, afastei-me daquela loja porque pensava, eu tolo, que podia achar Verdade inteira e… baratinha.
Não estou pronto ainda para ela; quero descanso e paz, de vez em quando, mas sinto que preciso ainda usar defesas de racionalizações e desculpas, escondendo-me atrás dessas muralhas que levantei com crenças imbatíveis».
Anthony de Mello, S.J., O canto do pássaro.
As pessoas vivem mais facilmente com as meias verdades ou com as tais verdades "baratinhas"...

Ridículo...

"Se abrissem a cantina da Assembleia da República à noite, eu ia lá jantar. Eu e muitos outros deputados da província. Quase não temos dinheiro para comer", afirmou Ricardo Gonçalves ao CM, repetindo o que tinha dito na última reunião do grupo parlamentar do PS, perante as medidas de austeridade do Governo.
O deputado socialista, que aufere cerca de 3700 euros mensais, reagiu assim ao corte de 5% que será aplicado de forma progressiva na Função Pública a quem recebe mais de 1500 euros. "Tenho 60 euros de ajudas de custos por dia. Temos de pagar viagens, alojamento e comer fora. Acha que dá para tudo? Não dá", referiu Ricardo Gonçalves para argumentar a sugestão que fez de a Assembleia da República abrir a cantina à hora do jantar.
Ricardo Gonçalves admite que lançou um repto irónico aos colegas de bancada, mas afirma que o assunto é sério, e que a classe política também é muito atingida pelas medidas de austeridade. "Estamos todos a apertar o cinto, e os deputados são de longe os mais atingidos na carteira", reafirma o socialista Ricardo Gonçalves.
In "Correio da Manhã"
Deixo uma sugestão: porque não volta para a escola onde é efectivo, dar aulas de Filosofia?...

domingo, 3 de outubro de 2010

Podia ser diferente? Sim, e não seria a mesma coisa!


"Ai quereis cortes, pois aqui vão!

Do Orçamento de Estado dependem 13.740 instituições que compõem as administrações públicas. Só primos mais afastados, dependem do "grande irmão" 639 fundações, 343 empresas municipais, 1182 empresas públicas, 356 institutos públicos, 485 associações sens fins lucrativos, e ainda 166 outras instituições de classificação indefinida.

Deixo fora as 5271 instituições que compõe a administração central, 5094 a local e 204 que completam a regional. Querem convencer-me de que todas aquelas instituições são essenciais à manutenção do Estado português e à realização do seu desígnio? E as Parcerias Público-Privadas? E as SCUT, onde uns andam e não pagam e outros pagam e não andam? (...)

O Governo propôs agora significativos cortes e aumentos de impostos. Podia ser diferente? Sim, e não seria a mesma coisa!"


João Duque, no "Expresso" de 2.10.2010