"Se algo parece claro nas bem-aventuranças é que Deus é dos pobres, dos oprimidos, dos que sofrem e choram. Deus não é insensível ao sofrimento. Não é apático. Deus «sofre onde sofre o amor» (Jürgen Moltman) Por isso, o futuro querido e projectado por Deus pertence aos que sofrem, porque não há um lugar para eles nem na sociedade nem no coração dos irmãos.
São bastantes os pensadores que julgam observar um aumento crescente da apatia na sociedade moderna. Parece estar a crescer a nossa incapacidade para perceber o sofrimento alheio. É a atitude do cego que já não percebe a dor. O embotamento dos que permanecem insensíveis diante do sofrimento.
Vamos evitando, de mil maneiras, a relação e o contacto com os que sofrem. Erguemos muros que nos separam da experiência e da realidade do sofrimento alheio. Mantemo-nos o mais longe possível da dor. Preocupamo-nos connosco mesmos e vivemos «assepticamente» no nosso mundo privado, depois de colocar o correspondente «Do not disturb».
Por outro lado, a organização da vida moderna parece ajudar a encobrir a miséria e a solidão das pessoas, ocultando o sofrimento. Raramente experimentamos, de forma sensível e imediata, o sofrimento e a angústia dos outros. Não é frequente encontrar-se de perto com o rosto perdido dum homem marginalizado. Não tocamos a solidão e o desespero de quem vive perto de nós.
Reduzimos os problemas humanos a números e dados. Contemplamos o sofrimento alheio de forma indirecta, através do ecrã da televisão. Corremos cada um para as nossas ocupações, sem tempo para pararmos diante de quem sofre.
No meio desta apatia social torna-se, no entanto, mais significativa a fé cristã num «Deus amigo dos que sofrem, um Deus crucificado, que quis sofrer juntamente com os abandonados deste mundo: o Deus das bem-aventuranças."
José António Pagola