« A civilização, quanto mais avança, torna-se tanto mais complexa e mais difícil. Os problemas que hoje levanta são arqui-intrincados. Cada vez é menor o número de pessoas cuja mente está à altura desses problemas.
(...)
Civilização avançada é uma e mesma coisa com problemas árduos. Daí que quanto maior seja o progresso, tanto mais em perigo está. A vida é cada vez melhor; mas, bem entendido, cada vez mais complicada. É claro que ao complicarem-se os problemas, vão-se aperfeiçoando também os meios para resolvê-los. Mas é mister que cada nova geração se torne senhora desses meios adiantados. Entre estes - para concretizar um pouco - há um banalmente unido ao avanço da civilização, que é ter muito passado às suas costas, muita experiência; em suma: história. O saber histórico é uma técnica de primeira ordem para conservar e continuar uma civilização provecta. Não por que dê soluções positivas ao novo aspecto dos conflitos vitais - a vida é sempre diferente do que foi -, mas porque evita cometer os erros ingênuos de outros tempos. Mas se o senhor, além de ser velho, e, portanto, de que sua vida começa a ser difícil, perdeu a memória do passado, o senhor não aproveita sua experiência, então tudo é desvantagem. Pois eu creio que esta é a situação da Europa. As pessoas mais "cultas" de hoje padecem uma ignorância histórica incrível. Eu sustento que hoje sabe o europeu dirigente muito menos história que o homem do século XVIII e mesmo do XVII. Aquele saber histórico das minorias governantes - governantes sensu lato - tornou possível o avanço prodigioso do século XIX. Sua política está pensada - pelo XVIII - precisamente para evitar erros de todas as políticas antigas, está ideada em vista desses erros, e resume em sua substância a mais longa experiência. Mas já o século XIX começou a perder "cultura histórica", apesar de que no seu transcurso os especialistas a fizeram avançar muitíssimo como ciência. A este abandono se devem em boa parte seus peculiares erros, que hoje gravitam sobre nós. Em seu último terço iniciou-se - embora subterraneamente - a involução, o retrocesso à barbárie; isto é, à ingenuidade e primitivismo de quem não tem ou esquece seu passado. »
Ortega y Gasset, A rebelião das massas.
Gasset escrevia nos anos 20 do séc. XX. E antecipava os desastres que viriam daí a pouco...
Será que hoje não podemos dizer o mesmo que Gasset: «As pessoas mais "cultas" de hoje padecem uma ignorância histórica incrível» ?...
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