terça-feira, 21 de setembro de 2010

A espiritualidade consumista (I)

«Já nem a religião constitui um contrapoder face ao avanço do consumo-mundo. Ao contrário do que se verificava no passado, a Igreja já não privilegia as noções de pecado mortal, já não exalta o sacrifício ou a renúncia. O rigorismo e a culpabilização perderam muita da sua importância, tal como as antigas temáticas do sofrimento e da mortificação. Uma vez que as ideias de prazer e de desejo são cada vez menos associadas à “tentação”, a convicção de que cada um tem que carregar a sua cruz na Terra vai-se esbatendo. Já não se trata tanto de inculcar a aceitação das provas, mas sobretudo de responder à decepção perante mitologias seculares que não conseguiram cumprir a sua promessa e trazer a dimensão espiritual necessária ao desenvolvimento completo da pessoa. De uma religião centrada na salvação no Além, o cristianismo passou a ser uma religião ao serviço da felicidade terrena, colocando a ênfase nos valores da solidariedade e do amor, na harmonia, na paz interior, na realização total da pessoa. Daqui se concluiu que assistimos, não exactamente a um “retorno” do religioso, mas sobretudo a uma reinterpretação global do cristianismo, tendo-se este último ajustado aos ideais de felicidade, hedonismo e desenvolvimento pessoal difundidos pelo capitalismo de consumo: o universo hiperbólico do consumo não foi a sepultura da religião, mas o instrumento da sua adaptação à civilização moderna da felicidade terrena.»
continua...

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